Chilli Beans e o Comércio em Renminbi: Vale a Pena Abandonar o Dólar?
O CEO da Chilli Beans, Caito Maia, anunciou que a rede deixará de usar o dólar nas negociações com fornecedores chineses e passará a operar diretamente em renminbi (RMB). Segundo ele, a decisão não é momentânea, mas uma mudança estrutural para garantir eficiência e previsibilidade cambial.

“A ideia é que o uso do dólar não volte nunca mais”.
Caito Maia
Esta posição se dá em um contexto onde a moeda chinesa consolidou seu espaço em pagamentos internacionais desde 2023/2024 (chegando a 4º/ 5º lugar em algumas leituras mensais do SWIFT RMB Tracker, variando ao longo de 2024–2025), ainda muito atrás do dólar, mas com tendência de avanço, como também onde o Brasil ganhou infraestrutura local para o RMB: o Banco Popular da China nomeou o ICBC do Brasil como banco de compensação de renminbi (RMB clearing bank), o que simplifica a liquidação em RMB no país.
Neste artigo, analisamos como funciona esse modelo de transações, seus custos, riscos e se realmente pode ser mais vantajoso do que seguir o padrão baseado no dólar.
Como Funcionam os Pagamentos em RMB: CNY, CNH, CIPS e Clearing no Brasil
CNY x CNH
O RMB existe em dois ambientes. O CNY (onshore) é usado na China continental, com maior controle de capitais. Já o CNH (offshore) é negociado em Hong Kong e outros centros, com maior flexibilidade. Essa diferença pode impactar preço, prazos e estratégias de hedge.
CIPS:
O sistema CIPS (Cross-Border Interbank Payment System) é a rede de pagamentos transfronteiriços da China. Criado como alternativa ao sistema tradicional via SWIFT, o CIPS permite liquidações em RMB de forma mais direta e com menos intermediários.
Clearing no Brasil:
Desde 2023 há um banco de liquidação de RMB no Brasil (ICBC do Brasil), viabilizando que bancos locais ofereçam RMB com menor dependência de dólares como “moeda-ponte”. Isso tende a reduzir etapas e custos operacionais.

IOF e Tributação Cambial: O Que Realmente Muda
Importação de bens:
Para a liquidação do câmbio vinculado à importação de bens, não incide IOF-câmbio (alíquota zero na liquidação do contrato de câmbio de importação). Isso vale independentemente de a operação ser em USD ou em RMB. Portanto, migrar USD → RMB não altera o IOF na liquidação do câmbio de importação — o ponto crítico de custo estará no spread e nas tarifas.
Serviços ligados à importação:
Para remessas ao exterior que não sejam liquidação de importação de bens (ex.: frete, comissões etc.), há IOF-câmbio. A legislação passou por mudanças em 2025, com alíquotas que podem chegar a 3,5% para determinadas remessas de serviços. Aqui, operar em RMB ou USD não muda a incidência em si (é operação de câmbio BRL↔moeda estrangeira), mas muda a base de comparação de spreads e custos bancários.
Exportação:
Recebimentos de exportação também têm IOF zero, mas não são o foco da Chilli Beans neste movimento.
Em resumo: mudar do dólar para o RMB não altera o IOF em importações de bens. O diferencial está no preço negociado com o fornecedor, no spread cambial e nas tarifas.

Spread Cambial e Tarifas: Onde Está a Economia
Camada 1: Preço de fábrica
Muitos exportadores chineses formam preço em RMB e adicionam margem para cobrir sua própria conversão RMB↔USD. Ao pagar diretamente em RMB, o importador pode capturar parte dessa “gordura” (o fornecedor deixa de carregar o risco/custo de USD).
Camada 2: Spread de câmbio bancário
O dólar é a moeda mais líquida do mundo e, por isso, possui spreads naturalmente mais baixos. O RMB tem liquidez crescente, mas ainda menor, resultando em spreads um pouco mais altos. Dados do BIS (Banco de Compensações Internacionais) confirmam a dominância do dólar na negociação global; o RMB avança, mas ainda é minoria.
Implicação: bancos tendem a oferecer spreads ligeiramente maiores em RMB do que em USD — porém esse “pior” spread pode ser mais que compensado pelo desconto no preço do fornecedor em RMB e por menos etapas (sem “BRL→USD→RMB”).
Camada 3: Cadeia de correspondentes e tarifas
Nas operações em USD, é comum que haja vários bancos intermediários, gerando custos adicionais. No RMB, usando o CIPS e o clearing local (ICBC Brasil), a cadeia pode ficar mais curta, reduzindo tarifas de banco correspondente e falhas de conciliação (benefício operacional). Os custos exatos são contratuais (banco a banco), mas a arquitetura sugere menos fricção ao operar RMB nativo.
Resumo prático: embora o spread do RMB possa ser mais alto, os descontos oferecidos por fornecedores e a redução de tarifas bancárias tendem a tornar a operação em RMB mais competitiva.
Liquidez, hedge e gestão de risco: O RMB Já É Viável?

Liquidez:
O dólar ainda domina o mercado internacional, oferecendo profundidade e liquidez muito maiores que o RMB. Este, embora já figure entre as cinco moedas mais usadas globalmente em alguns meses, ainda está distante do USD.
Instrumentos disponíveis:
Há derivativos que envolvem RMB (ex.: futuros USD/CNH, e instrumentos listados/OTC em mercados globais). Na B3, há listagens ligadas a RMB/CNH (contratos e minicontratos), ainda com liquidez mais modesta que pares com USD. Em geral, empresas brasileiras fazem hedge “sintético” de BRL↔RMB via USD, combinando dois derivativos: BRL↔USD e USD↔CNH para proteger transações em RMB.
NDF e swaps:
É comum o uso de NDFs (Non-Deliverable Forwards), contratos a termo de moeda sem entrega física, nos quais a liquidação ocorre apenas pela diferença financeira entre a taxa contratada e a taxa de mercado. Esses instrumentos, assim como os cross-currency swaps envolvendo RMB offshore (CNH), já são práticas adotadas por tesourarias corporativas para gerenciar exposição cambial.
Custo do hedge:
Varia conforme o mercado. Em períodos de instabilidade, o custo de proteção pode subir. Em fases de estresse, a proteção via USD pode encarecer; em fases de normalidade, o custo tende a normalizar. Políticas internas devem prever limites de custo de hedge, gatilhos e testes de sensibilidade.
Conclusão
Embora o USD ainda seja mais barato e profundo para hedge, é plenamente possível gerenciar riscos em RMB com instrumentos já disponíveis.
Estruturar via Empresa em Hong Kong ou na China Continental: Impactos Práticos

A pergunta pressupõe que as transações em RMB serão feitas através de uma empresa estabelecida em jurisdição chinesa (ex.: subsidiária em Hong Kong ou na China continental). Isso pode trazer vantagens:
Preço e relacionamento
- Fornecedores tendem a precificar melhor em RMB para contrapartes locais ou “quase locais” (HK/Mainland), inclusive por logística financeira (contas em RMB, documentação de comércio exterior local).
- Negociação em RMB com settlement local reduz incerteza para o fornecedor (ele não carrega risco de recebimento via USD).
Pagamento e prazos
- Uma entidade local pode usar contas RMB com bancos que são participantes diretos do CIPS (ou têm acesso eficiente), acelerando lead times de pagamento e liberação de produção/embarque.
Compliance e controles
- Mainland (CNY): operações comerciais em RMB estão sob regras do SAFE/PBoC; são rotineiras, mas requerem documentação robusta (fatura, contrato, aduana, matching cambial).
- Hong Kong (CNH): ambiente offshore com maior flexibilidade de capital, típica conta CNH. Pode simplificar recebimentos e pagamentos em RMB sem as mesmas camadas de controle de Mainland (mas com compliance bancário rigoroso).
- Em ambos, KYC/AML e prova de substance (função real da empresa) importam.
Cadeia fiscal e transfer pricing
Usar uma entidade em HK/Mainland requer política de preços de transferência entre Brasil↔Ásia. Isso não altera IOF da liquidação de câmbio de importação no Brasil (que é zero), mas impacta lucro tributável dessa entidade e margens na cadeia global. O ganho precisa vir do preço de fábrica em RMB e da economia operacional, não de engenharia fiscal indevida.
Cenário de custo: quando o RMB “bate” o USD?

Exemplo ilustrativo:
- Fornecedor concede 2% de desconto no preço ao receber em RMB.
- Banco oferece spread de 0,95% para BRL↔RMB, contra 0,60% para BRL↔USD.
- IOF para importação de bens é zero em ambos os casos.
- Cadeia de correspondentes é mais curta no RMB, reduzindo tarifas.
Resultado provável: mesmo com spread mais alto, o desconto do fornecedor e a redução de tarifas bancárias tornam o RMB mais competitivo.
Riscos, governança e recomendações práticas para a Chilli Beans
Risco regulatório/operacional (China)
- No Mainland, há controles de capital e match documental para pagamentos comerciais; nada anormal, mas exige processo e acurácia documental.
- CNY x CNH: definir desde o contrato a moeda de liquidação (e a praça bancária) para evitar basis indesejado.
Risco de liquidez e hedge
- Mapear ciclos de compra e construir política de hedge com limites de custo e “janelas” de proteção. Onde BRL/RMB for raso, usar sintético BRL↔USD + USD↔CNH.
Bancos e infraestrutura no Brasil
- Trabalhar com bancos que efetivamente cotam RMB (conta em RMB, acesso ao ICBC Brasil como clearing e rotas CIPS). Isso reduz etapas e tempo.
Compliance Brasil
- Confirmar classificação das remessas (bens x serviços) para IOF; para importação de bens a liquidação do câmbio é isenta de IOF; para serviços há novas regras (alíquotas que podem chegar a 3,5% conforme natureza da remessa). Ajustar centro de custos e planejamento de remessas (separar mercadoria de serviços auxiliares)
Comunicação e benchmarking
- Monitorar o avanço do RMB globalmente (ex.: RMB Tracker do SWIFT) e a liquidez de derivativos (B3, CME, OTC) para recalibrar mix USD↔RMB

Conclusão: O RMB é Uma Alternativa Competitiva?
Para empresas como a Chilli Beans, que importam grande volume de produtos chineses, transacionar em RMB não apenas é viável, como pode gerar ganhos financeiros relevantes. Os benefícios incluem:
- Descontos em preços de fábrica ao pagar diretamente em RMB.
- Redução de tarifas e menos etapas nas transações bancárias.
- Previsibilidade maior nos custos quando acompanhada de política de hedge bem definida.
Os desafios estão na menor liquidez da moeda chinesa em comparação ao dólar, nos custos de proteção cambial e na exigência de governança documental. No entanto, nada disso inviabiliza a operação.
Resposta final: sim, adotar o RMB como moeda de transação é viável e pode gerar vantagem competitiva para empresas brasileiras, desde que haja estrutura e parceiros adequados.
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